5.10.2011
Aí vai a segunda crónica
Porto de São Mateus
Domingo. Meio-dia. Um dia lindo, a contrastar com um dos piores Invernos de que há memória. Uma muito jovem mãe empurra o carrinho onde vai refastelado o seu já-nem-tanto bebé. Pára um pouco à frente e, com aquela doçura de voz que só as mães têm, enquanto o arrebata do conforto do coche, vai dizendo: “vamos ver os bibis”.
“Bibis” é aquilo a que eu sempre ouvi chamar “pipis”. Neste caso, trata-se de uma pequena colónia de patos que se espreguiçam junto á muralha. À medida que o pimpolho, em passos titubeantes, avança para os emplumados, estes, à vez, vão-lhe saindo do caminho, não vá uma carícia a mais causar-lhes danos no pescoço. Perante a perseguição de tão imberbe criatura, pachorrentos, um atrás do outro, ensaiam um pequeno voo rasteiro até à segurança do mar, onde vogam em segurança, ao sabor das ondas quase rasas.
Na boca do porto entra uma lanchinha. Curioso, tento adivinhar o ponto de atracagem, e vou seguindo as manobras, caminhando para onde se dirige. É domingo, já sabem. Não é dia de ir ao mar. Mas, um mês de mau tempo obrigou a que o mestre e o seu parceiro de companha, como muitos outros, se tenham feito à faina. Trazem uma pana de garoupas e bodeões. Bodeões gordos, a comprovar o ditado “bodeão em Janeiro vale um carneiro”. Bela pescaria, digo eu, para quem um peixe fresco, nesta altura dos acontecimentos, é um troféu. Não. Não há peixe. Isto está mau – responde-me o mestre.
Ofereço-me para ajudar a transportar a pana ou parte dos baldes onde se amontoam iscas, engodo, restos de mantimentos ou roupas impermeáveis. Não é preciso: têm ali logo à frente um engenhoso carrinho minúsculo que lhes resolve o problema.
Estou no porto de São Mateus, já perceberam pelo título desta crónica. Nos últimos tempos, passo por lá muitas vezes, para desanuviar. Vejo chegar barcos da pesca, delicio-me a ver descarregar uma boa pescaria, conheço já muita gente – tanta dela jovem – que continua a fazer do mar a vida. Conheço barcos de várias dimensões, sei o nome de muitos de cor: o Almorindo, o Retenida, o J. Gaspar, o Céu Azul, o Sol Azul (sol azul?) o Frota Azul (nascido de um programa de modernização com o mesmo nome), o Marcelo (especializado na pesca do chicharro), o Ficher, o Trabalhador, o Americano, o Elizabete, o Alves (cujo mestre me ofereceu, há uns tempos, um saco de imperadores (cardeal), um peixe que, há 10 anos, pouca gente apreciava e que hoje rivaliza em preço com o goraz ou com o cherne), o Joaquim, sei lá…
Vejo um pai a chegar numa carrinha e a tirar de lá uma bicicleta para a filhota, de uns 5 anos de idade, passear no novo espaço de lazer, outro jovem casal a dar a mão a um bebé que agora está a dar os primeiros passos, enquanto me dirijo para o canto do saco do porto, onde Ti António já tem uma gamela meia de tainhas (a que chama ainda mujas), pescadas à mão, com isca de bucho de cavala e sardinha.
É o novo porto de São Mateus. Um espaço com condições de operacionalidade e segurança para a sua primordial actividade – a pesca – e, ao mesmo tempo, requalificado com espaços de lazer, num conjunto limpo, respeitado, onde se nota um novo paradigma da relação de uma comunidade com o espaço natural. Sente-se que os estigmas antes pregados à freguesia e ao porto estão a desaparecer, perante uma nova realidade que orgulha os habitantes.
Não venho aqui tecer loas ao Governo ou a outras instituições que fizeram de uma obra estruturante muito mais do que isso. Mas, em dívida pelo meu consolo de alma, sinto-me obrigado a dizer que há em São Mateus um exemplo flagrante de requalificação, de mudança de mentalidades, de qualidade de vida.
Parabéns. A todos.
Domingo. Meio-dia. Um dia lindo, a contrastar com um dos piores Invernos de que há memória. Uma muito jovem mãe empurra o carrinho onde vai refastelado o seu já-nem-tanto bebé. Pára um pouco à frente e, com aquela doçura de voz que só as mães têm, enquanto o arrebata do conforto do coche, vai dizendo: “vamos ver os bibis”.
“Bibis” é aquilo a que eu sempre ouvi chamar “pipis”. Neste caso, trata-se de uma pequena colónia de patos que se espreguiçam junto á muralha. À medida que o pimpolho, em passos titubeantes, avança para os emplumados, estes, à vez, vão-lhe saindo do caminho, não vá uma carícia a mais causar-lhes danos no pescoço. Perante a perseguição de tão imberbe criatura, pachorrentos, um atrás do outro, ensaiam um pequeno voo rasteiro até à segurança do mar, onde vogam em segurança, ao sabor das ondas quase rasas.
Na boca do porto entra uma lanchinha. Curioso, tento adivinhar o ponto de atracagem, e vou seguindo as manobras, caminhando para onde se dirige. É domingo, já sabem. Não é dia de ir ao mar. Mas, um mês de mau tempo obrigou a que o mestre e o seu parceiro de companha, como muitos outros, se tenham feito à faina. Trazem uma pana de garoupas e bodeões. Bodeões gordos, a comprovar o ditado “bodeão em Janeiro vale um carneiro”. Bela pescaria, digo eu, para quem um peixe fresco, nesta altura dos acontecimentos, é um troféu. Não. Não há peixe. Isto está mau – responde-me o mestre.
Ofereço-me para ajudar a transportar a pana ou parte dos baldes onde se amontoam iscas, engodo, restos de mantimentos ou roupas impermeáveis. Não é preciso: têm ali logo à frente um engenhoso carrinho minúsculo que lhes resolve o problema.
Estou no porto de São Mateus, já perceberam pelo título desta crónica. Nos últimos tempos, passo por lá muitas vezes, para desanuviar. Vejo chegar barcos da pesca, delicio-me a ver descarregar uma boa pescaria, conheço já muita gente – tanta dela jovem – que continua a fazer do mar a vida. Conheço barcos de várias dimensões, sei o nome de muitos de cor: o Almorindo, o Retenida, o J. Gaspar, o Céu Azul, o Sol Azul (sol azul?) o Frota Azul (nascido de um programa de modernização com o mesmo nome), o Marcelo (especializado na pesca do chicharro), o Ficher, o Trabalhador, o Americano, o Elizabete, o Alves (cujo mestre me ofereceu, há uns tempos, um saco de imperadores (cardeal), um peixe que, há 10 anos, pouca gente apreciava e que hoje rivaliza em preço com o goraz ou com o cherne), o Joaquim, sei lá…
Vejo um pai a chegar numa carrinha e a tirar de lá uma bicicleta para a filhota, de uns 5 anos de idade, passear no novo espaço de lazer, outro jovem casal a dar a mão a um bebé que agora está a dar os primeiros passos, enquanto me dirijo para o canto do saco do porto, onde Ti António já tem uma gamela meia de tainhas (a que chama ainda mujas), pescadas à mão, com isca de bucho de cavala e sardinha.
É o novo porto de São Mateus. Um espaço com condições de operacionalidade e segurança para a sua primordial actividade – a pesca – e, ao mesmo tempo, requalificado com espaços de lazer, num conjunto limpo, respeitado, onde se nota um novo paradigma da relação de uma comunidade com o espaço natural. Sente-se que os estigmas antes pregados à freguesia e ao porto estão a desaparecer, perante uma nova realidade que orgulha os habitantes.
Não venho aqui tecer loas ao Governo ou a outras instituições que fizeram de uma obra estruturante muito mais do que isso. Mas, em dívida pelo meu consolo de alma, sinto-me obrigado a dizer que há em São Mateus um exemplo flagrante de requalificação, de mudança de mentalidades, de qualidade de vida.
Parabéns. A todos.