Vou começar a publicar aqui uma série de crónicas que escrevi para o 'Diário Insular' de Angra do Heroísmo, numa coluna a que chamei 'Caracteres'. Só para ver se me entusiasmo com o moribundo blogue! Cá vai a primeira:
3.500 caracteres, José
“Meu caro: o teu espaço é às sextas-feiras, 3.500 caracteres a contar com os espaços, entrega até quinta-feira. Vais passar a viver com o terror das quintas!”
Era o Armando ao telefone, José. Tínhamos conversado sobre a possibilidade de eu regressar às páginas do Diário Insular, num espaço semanal de crónica.
Trabalho com computadores há quase 20 anos, já escrevi, com esta modernice, como lhe chamavas, milhares de páginas e milhões de letras e números, mas confesso que nunca – nem uma vez, para amostra – escrevi um texto preocupado em contar os caracteres. Digo-te mais: no momento em que escrevo, ainda não descobri onde está o contador dos ditos, coisa que vou fazer agora mesmo, para não correr o risco de me espalhar. Espera aí que já volto.
Já descobri. À altura da interrupção, ia já com 836 caracteres, incluindo os espaços, 699, extraindo os ditos cujos, 138 palavras, 4 parágrafos e 17 linhas. O computador sabe tudo, José. Só lhe falta escrever crónicas, acho eu, mas nem atrevo a garantir que não.
Crónicas. As tuas são imbatíveis. Crónicas das Terças, nas páginas deste diário. O cosmo do nosso microcosmo espelhado semanalmente em meia dúzia de parágrafos repletos de ternura, algumas vezes amargura, raramente veneno, quando se impunha, raiva.
A saga dos engraxadores da Praça Velha, Evaristo e José Moniz Freitas (não me atrevo a escrever José Cagão, para não comprar um sarilho igual ao que te caiu no colo!), as flores para a tua Flor, para a tua Gilda, os ecos das cavaqueiras na Portugália, os frutos do teu olhar sobre o mundo a partir da porta do Aliança.
Podia acabar por aqui, José, dizendo simplesmente que sinto falta das tuas crónicas, da tua companhia, da tua amizade, da tua ironia fulminante, até da tua teimosia inabalável. Mas não posso: ainda nem cheguei aos 2.000 caracteres e, como sabes, tenho que escrever 3.500, a contar com os espaços. Estou destreinado e esta métrica está a dar-me a volta ao miolo! Por isso, preciso da tua ajuda, preciso da deliciosa crónica que escreveste sobre os engraxadores. Sei que foi há muitos anos: mais uma razão para o plágio, pois há uma nova geração que não teve o gozo de pegar no jornal das terças-feiras e virar logo para a última página para sorver a tua nova crónica. Dás-me licença?
“Mestre Evaristo e José Cagão serão, porventura, os únicos engraxadores com carteira profissional da nossa praça. Apesar de todas as inovações, engraxar ainda é uma profissão. Evaristo e José, apesar de tudo, são concorrentes. A arte de engraxar tem, contudo, segredos que o cidadão distraído desconhece. O unto, quase sempre, é que dá o brilho final, mas não há modernices que cheguem a uma boa puxadela com uma tira de cotim.Evaristo e José praticam o mesmo horário. O ofício de engraxar obriga a que comecem e acabam cedo, maneira subtil de cativar a freguesia. A clientela é quem lhes paga e a clientela quer o servicinho a tempo e horas. Custe o que custar, que o brilho às vezes não tem preço. Há-de chegar o dia em que alguém se lembrará deles como figuras decorativas da Praça Velha. Nesse tempo, porém, já não haverá ninguém com caixa aí a polir calçado. Mestre Evaristo e José Cagão, quando abalarem, não deixarão seguidores. Eles são os últimos engraxadores da nossa praça com carteira profissional”.
(Crónica de José Daniel Macide, in DI e, posteriormente, no livro Crónicas da Portugália, 1991).
Obrigado, José. Com esta preciosa ajuda, completo, exactamente, os famigerados 3.500 caracteres!
“Meu caro: o teu espaço é às sextas-feiras, 3.500 caracteres a contar com os espaços, entrega até quinta-feira. Vais passar a viver com o terror das quintas!”
Era o Armando ao telefone, José. Tínhamos conversado sobre a possibilidade de eu regressar às páginas do Diário Insular, num espaço semanal de crónica.
Trabalho com computadores há quase 20 anos, já escrevi, com esta modernice, como lhe chamavas, milhares de páginas e milhões de letras e números, mas confesso que nunca – nem uma vez, para amostra – escrevi um texto preocupado em contar os caracteres. Digo-te mais: no momento em que escrevo, ainda não descobri onde está o contador dos ditos, coisa que vou fazer agora mesmo, para não correr o risco de me espalhar. Espera aí que já volto.
Já descobri. À altura da interrupção, ia já com 836 caracteres, incluindo os espaços, 699, extraindo os ditos cujos, 138 palavras, 4 parágrafos e 17 linhas. O computador sabe tudo, José. Só lhe falta escrever crónicas, acho eu, mas nem atrevo a garantir que não.
Crónicas. As tuas são imbatíveis. Crónicas das Terças, nas páginas deste diário. O cosmo do nosso microcosmo espelhado semanalmente em meia dúzia de parágrafos repletos de ternura, algumas vezes amargura, raramente veneno, quando se impunha, raiva.
A saga dos engraxadores da Praça Velha, Evaristo e José Moniz Freitas (não me atrevo a escrever José Cagão, para não comprar um sarilho igual ao que te caiu no colo!), as flores para a tua Flor, para a tua Gilda, os ecos das cavaqueiras na Portugália, os frutos do teu olhar sobre o mundo a partir da porta do Aliança.
Podia acabar por aqui, José, dizendo simplesmente que sinto falta das tuas crónicas, da tua companhia, da tua amizade, da tua ironia fulminante, até da tua teimosia inabalável. Mas não posso: ainda nem cheguei aos 2.000 caracteres e, como sabes, tenho que escrever 3.500, a contar com os espaços. Estou destreinado e esta métrica está a dar-me a volta ao miolo! Por isso, preciso da tua ajuda, preciso da deliciosa crónica que escreveste sobre os engraxadores. Sei que foi há muitos anos: mais uma razão para o plágio, pois há uma nova geração que não teve o gozo de pegar no jornal das terças-feiras e virar logo para a última página para sorver a tua nova crónica. Dás-me licença?
“Mestre Evaristo e José Cagão serão, porventura, os únicos engraxadores com carteira profissional da nossa praça. Apesar de todas as inovações, engraxar ainda é uma profissão. Evaristo e José, apesar de tudo, são concorrentes. A arte de engraxar tem, contudo, segredos que o cidadão distraído desconhece. O unto, quase sempre, é que dá o brilho final, mas não há modernices que cheguem a uma boa puxadela com uma tira de cotim.Evaristo e José praticam o mesmo horário. O ofício de engraxar obriga a que comecem e acabam cedo, maneira subtil de cativar a freguesia. A clientela é quem lhes paga e a clientela quer o servicinho a tempo e horas. Custe o que custar, que o brilho às vezes não tem preço. Há-de chegar o dia em que alguém se lembrará deles como figuras decorativas da Praça Velha. Nesse tempo, porém, já não haverá ninguém com caixa aí a polir calçado. Mestre Evaristo e José Cagão, quando abalarem, não deixarão seguidores. Eles são os últimos engraxadores da nossa praça com carteira profissional”.
(Crónica de José Daniel Macide, in DI e, posteriormente, no livro Crónicas da Portugália, 1991).
Obrigado, José. Com esta preciosa ajuda, completo, exactamente, os famigerados 3.500 caracteres!